Mecanismo tem como objetivo permitir a empresas e países investir em corte de CO2 em troca de direitos de emissão
Países reunidos na 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29) entraram hoje em um acordo para aprovar o arcabouço de regras que serão usadas para criar um mercado de carbono global sob o Acordo de Paris, no qual os países se comprometeram com metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
O mercado de carbono tem como objetivo permitir países e empresas invistam em formas de reduzir emissões de CO2 em outras nações, recebendo em troca créditos. Esses créditos são usados para compensar emissões, ou seja, são direitos de emissão.
A ideia é, por exemplo, um país rico bancar um projeto de redução de emissão de gases de efeito estufa numa nação em desenvolvimento e, em contrapartida, receber licença para emitir carbono em um certo limite além de sua meta preestabelecida.
A criação de um mercado de carbono dentro do guarda-chuva do Acordo de Paris é diferente das iniciativas de mercados de carbono “voluntários”, que já existem em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil. Neles, empresas podem abater emissões de CO2 de metas estabelecidas por elas próprias.
Os cortes de gases-estufa dessas empresas, porém, podem vir a ser contabilizados pelo novo mercado de carbono global, a depender de detalhes das regras a serem criadas.
Pressa motivada por Trump
Uma preocupação dos países membros da Convenção do Clima em aprovar o arcabouço dos mercados de carbono agora é que, com a eleição de Donald Trump, um negacionista do clima que promete tirar os EUA do Acordo de Paris, a missão poderia ficar mais difícil.
Em princípio, o mercado global sob chancela da ONU permitiria a empresas americanas gerarem créditos de carbono mesmo sem adesão do governo americano ao tratado.
— Quero dizer que, embora o governo federal dos Estados Unidos, sob Donald Trump, possa colocar a ação climática em segundo plano, o trabalho continuará, com paixão e compromisso — disse John Podesta, enviado especial para o clima do governo do atual presidente americano, Joe Biden.
Diretrizes para futuro comércio internacional
O texto aprovado hoje, a primeira decisão que sai do encontro realizado agora em Baku, no Azerbaijão, não cria logo de cara a estrutura para o mercado internacional de créditos de carbono funcionar. Ele reconhece a autoridade de um “corpo supervisor” de técnicos criados pela Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) para implementar o sistema.
Esse órgão vai “elaborar padrões” e “supervisionar o mecanismo” que criará as regras para trocas de créditos de carbono além das fronteiras dos países.
— Esta será uma ferramenta para virar o jogo e direcionar recursos para o mundo em desenvolvimento. Após anos de impasse, os avanços em Baku agora começaram. Mas há muito mais a ser entregue — afirmou o presidente da COP29, Mukhtar Babayev, ministro azerbaijano do Meio Ambiente, em mensagem à plenária.
A decisão foi aprovada hoje em um subgrupo da COP designado para o assunto. Baseia-se em dois textos que haviam sido negociados previamente e detalham em 27 páginas de documentos os princípios gerais para guiar as regras desse mercado de carbono.
Segundo Babayev, a expectativa é que um mercado de carbono endossado pela ONU seja capaz de reduzir os custos de implementação dos planos climáticos nacionais em US$ 250 bilhões por ano, ao permitir a remessa de créditos de carbono de um país para o outro.
Regras para não desestimular cortes de emissões
O objetivo das regras, que haviam sido detalhadas em outubro, é garantir que o mecanismo obedeça princípios sacramentados pelo Acordo de Paris. Os técnicos buscam assegurar que o mercado, mencionado no artigo 6.4 do acordo, não permita que países recuem de seus objetivos de corte de CO2 e garanta a transparência para que projetos de redução de emissão possam ser avaliados e validados para gerarem créditos genuínos.
Projetos capazes de gerar crédito poderão ser, por exemplo, a substituição de usinas a carvão por energia de fontes renováveis em países pobres ou sistemas de reflorestamento para que árvores em crescimento capturem CO2 da atmosfera.
Uma grande preocupação do texto é garantir que só possam gerar créditos de carbono para esse mercado projetos capazes de comprovar uma “adicionalidade” nos cortes de emissões.
“As metodologias do mecanismo devem conter métodos confiáveis para estimar reduções ou remoções de emissões para garantir que os resultados das atividades do Artigo 6.4 representem toneladas reais de emissões de gases de efeito estufa reduzidas ou removidas”, diz o texto do documento aprovado. “Tais estimativas devem ser baseadas em informações científicas atualizadas e dados confiáveis.”
ONGs criticam: ‘não é solução’
O texto também inclui, de maneira ainda vaga, o compromisso de assegurar que comunidades locais sejam consultadas para a implementação de projetos que as afetem. Essa demanda, um ponto de atrito nas discussões entre países, foi objeto de críticas de ONGs ambientalistas durante os processos de discussão.
Ambientalistas afirmam também que o esforço dispendido na discussão de mercados de carbono é um desvio da função primordial da convenção do clima, que é garantir o cumprimento de metas do Acordo de Paris e de ampliação dos cortes de CO2.
— É um sinal muito ruim abrir essa COP com a adoção de um artigo que legitima os mercados de carbono como uma solução para as mudanças climáticas. Eles não são uma solução. Os mercados de carbono aumentarão as desigualdades, infringirão os direitos humanos e impedirão a ação climática de fato — afirma Ilan Zugman, diretor da ONG climática 350.org para América Latina e Caribe.
Empresas comemoram
Especialistas ligados a empresas do setor privado comemoraram a decisão em Baku, apesar de reconhecerem que a implementação do mercado ainda requer muito trabalho.
— Foi dado agora um grande passo rumo à criação do mercado no mundo real, mas não significa que sua existência já esteja assegurada — diz Gilles Dufrasne, do Centro de Estudos Carbon Market Watch.
A COP29 segue até dia 22 em Baku e entra agora na fase de negociações das novas metas de financiamento climático para países em desenvolvimento, um tema que envolve mais desacordo e controvérsia do que o mercado de carbono.
Com agências internacionais
Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/esg/noticia/2024/11/11/conferencia-do-clima-avanca-nas-regras-para-criar-mercado-de-carbono-global.ghtml